A Tradução

Uma breve resumo da história da tradução. Onde e quando começou a teoria da tradução?

Os primeiros tradutores.

· Targumim (300 a.E.C.) - A tradução literal

Os chamados targumim foram, provavelmente, as primeiras traduções críticas do mundo, ou seja, traduções para as quais estudos críticos foram compilados, a fim de se estudar a “fidelidade” e a “recepção” do texto traduzido. Os targumim eram traduções para o aramaico (língua vernácula dos judeus nos séculos posteriores ao IV a.E.C.) dos Escritos Sagrados, do Cânone Judaico (escritos originalmente em hebraico). O ideal tradutório dos tradutores dos targumim era ser o mais “fiel” possível ao texto original, não importando se o texto de chegada não obedecesse a sintaxe e a pragmática da língua-alvo.





Cícero & Horácio (106-8 a.c.)

- De optimo genere oratorum, Ars Poética


Em seus escritos sobre a interpretação, a oratória e a poética, Cícero e Horácio quebram com a tradição de “fidelidade” da tradução, preferindo que o texto traduzido soasse natural e fluido. O “sentido completo” do texto original, portanto, ficaria em segundo plano.






Tradutores medievais - Monges cristãos

Os tradutores-monges medievais (séc. IX-XIV), precursores das teorias de Cícero e Horácio, foram responsáveis por quase 90% de todas as traduções para e de línguas ocidentais na Europa. Através da tradução para o latim dos Escritos Sagrados Judaicos, conhecida como Vulgata, São Jerônimo permitiu que a dogmática Cristã se estabelecesse no ocidente, dando vigor ao estabelecimento do poder da Igreja.



Boécio (Séc. IX)


Boécio, um ministro ostrogodo que vivia na Roma pós-invasão bárbara, foi o responsável pelas retraduções dos escritos de Aristóteles para o latim a partir do árabe. Muitos livros de Aristóteles haviam sido perdidos no tempo, e traduzidos para o árabe por Ibn Averroes. A tradição aristotélica ocidental (como a introdução feita por Tomás de Aquino de conceitos aristotélicos na dogmática Cristã) só pôde ser continuada devido ao trabalho de Boécio.


Alexander Fraser Tytler (1790)

No final do século XVIII, o jurista inglês Tytler escrever o primeiro ensaio exclusivamente sobre a questão da tradução, no qual elenca os princípios tradutórios, baseados em sua experiência como tradutor literário. Os princípios de Tytler são:

1. A tradução deve consistir na transcrição completa das idéias do texto original;
2. O estilo da tradução deve ser o mesmo do texto original;
3. O texto traduzido deve possuir a mesma fluidez do texto original.


Autores-tradutores

A partir do século XV, autores neoclássicos começam a traduzir a tradição literária da Grécia e de Roma para as línguas vernáculas européias. A partir de suas experiências no ofício de tradutores, estes produzem uma série de ensaios, métodos e conselhos para os que desejam traduzir. Devido ao fato de serem respeitados como literatos, esses autores recriam a concepção do ideal tradutório dos targumim, pois, para eles, o texto traduzido tem por objetivo ser o mais “fiel” possível ao original.
Essas concepções foram preconizadas, principalmente, por Dante, Goethe, Baudelaire, Mallarmé, Nietzsche, Pound, entre outros, começando no período do Renascimento e passou ao Romantismo (principalmente alemão).

Goethe
Ezra Pound
Dante Alighieri
Beaudelaire
Mallarmé

























As teorias modernas do significado

Teorias lingüísticas e antropológicas- Saussire, Humboldt, Whorf (Sapir)

Ferdinand de Saussure
BLWhorf
Wilhelm von Humboldt













A partir do século XX, o elemento antropológico entra para o palco dos estudos lingüísticos, iniciados por Saussire. Humboldt escreve ensaios sobre a natureza das línguas e suas relações com a cultura, Whorf e Sapir fazem estudos antropológico-linguísticos com populações indígenas norte-americanas e formulam a chamada hipótese Sapir-Whorf


Teorias Pós-Modernas da Tradução

Transmitir?
Transferir? - mito de S. Christophorus de Basiléia
tra + ducere
Existe equivalência?
Não-equivalência entre línguas
Ilusão Logocêntrica
Desconstruindo a desconstrução
Conceitos desconstruídos
Originalidade
Fidelidade da tradução
Sentido do texto dado, no próprio texto
Tradução literal
Tradução técnica/tradução literária
Comunidades Interpretativas

Desconstrução
Rosemary Arrojo
Jacques Derrida, Rosemary Arrojo
                                                                                                   Jacques Derrida
A desconstrução tem por objetivo desfazer as crenças na relação um a um entre palavra e sentido, entre palavras de uma língua e de outra, entre equivalências diretas e claras. Segundo ARROJO (1993), tudo não passa de ilusão logocêntrica, uma vez que só o que podemos fazer com o discurso é utilizá-lo para produzir mais discurso - que não passa de linguagem, não verificável, “desconstruível”. A rigor, se levarmos as teorias humboldtianas e desconstrutivistas ao radicalismo, pode-se chegar à conclusão de que toda a tradução é impossível. O grande precursor da desconstrução na França, Jacques DERRIDA (1967:123 et seq.), chega mesmo a negar, em seu rigor teórico (e pouco prático), aapossibilidade de toda e qualquer comunicação.

Comunidades Interpretativas


Stanley Fish
Stanley Fish, pragmatista americano da Universidade de Harvard, tece, em seus textos, sua própria teoria pragmatista (cf. FISH, 1980). Stanley Fish coloca sobre os ombros de uma denominada “Comunidade Interpretativa” o papel de uma espécie de juíza de valores. Os que discordam das determinações desta, estão “teologicamente errados” (FISH 1980:189). O texto passa a significar, portanto, tudo aquilo, e não mais que isso, que a Comunidade Interpretativa quer que ele signifique. O significado de um texto é, portanto, dissociado do texto por completo e atribuído à Comunidade Interpretativa. Por Comunidade Interpretativa (doravante CI) entende-se um grupo de pessoas (no caso de Fish, de acadêmicos), que expressam uma mesma leitura de um texto, interpretando-o de maneira equivalente.

Assim, ao observar-se o mundo com os olhos de Fish, é possível estabelecer (coerentes) relações entre todo significado - de um texto, de uma proposição filosófica, de uma equivalência tradutória - e a interpretação canônica que se faz dele. O Tudo significa somente aquilo que os detentores do poder de coerção social querem que ele signifique. O motivo que leva à eclosão de tal fenômeno só pode ser encontrado nas relações ideologizadores de Althusser. Para ALTHUSSER (1984), sendo o fator social ideológico e ideologizador inescapável, inevitável, perdem-se as concepções de estranhamento em relação aos fenômenos e estabelece-se o canônico, segundo o princípio da naturalização. Não se questiona o porquê de tal palavra ser “considerada” equivalente a uma outra, pois “é esta a ordem das coisas”. O fenômeno ideologizador leva à alienação. A concepção consensualista transforma-se num arquétipo de proposta onomatopaica. Isto é aquilo, diz-se. Perde-se a noção da origem, arbitrária e convencional - e ganha-se a (equivocada) impressão de Verdade absoluta, universal e imutável.

Tradutores Teóricos Brasileiros
Irmãos Campos
Em contato com toda a teoria desconstrutivista e pragmatista, os tradutores pós-modernos têm subsídios suficientes para encarar o ofício de traduzir criticamente, podendo levar em consideração aspectos sociológicos, antropológicos, políticos, éticos, históricos, religiosos, filosóficos e econômicos presentes no texto, no autor e no contexto em que o texto foi escrito. Assim, pode-se dizer que, desde os tradutores dos targumim, passando pelos medievais e os renascentistas, sempre deixou-se de levar em consideração, ou deu-se menos importância a um dos elementos envolvidos no processo tradutório: o texto original, o autor, o contexto, o texto traduzido e o tradutor. Hoje, parece haver a preocupação, principalmente por parte de tradutores-teóricos brasileiros, como Paulo Rónai e Paulo Henriques Britto, em contemplar todos os elementos citados em graus variantes de texto para texto. Os tradutores passaram, portanto, de antropófagos a antropólogos.

Paulo Ronai                                                                                                                                                               Paulo Henrique Britto



BIBLIOGRAFIA BÁSICA

Rafael Lanzetti (UFRJ, SENAC-Rio)

------ QUADRO HISTÓRICO DAS TEORIAS DE TRADUÇÃO

ALTHUSSER, L. Essays on Ideology. Londres: Verso, 1984.

ARROJO, Rosemary (org.) O signo desconstruído - implicações para a tradução, a leitura e o ensino. Campinas: Pontes, 1993.

------. Oficina de Tradução. São Paulo: Ática, 2002.

CARDOSO, André. Alguns apontamentos sobre a estética da recepção, o pós-estruturalismo e a tradução. In: PaLavra, n. 2. Rio de Janeiro: Departamento de Letras da PUC-Rio, [s/d.].

DERRIDA, J. L’Écriture et la différence. Chicago, IL: Univ.of Chicago Press, 1978

ECO, Umberto. Os Limites da Interpretação. São Paulo: Perspectiva, 2000.

------ (org.). Interpretação e Superinterpretação. São Paulo: Martins Fontes, 1993.

EVEN-ZOHAR, Itamar. The Making of Culture Repertoire and the Role of Transfer. In: Target 9:2 pgs 335-363. Tel-Aviv: Tel-Aviv University Press, 1997.

FISH, Stanley. Is there a text in this class? The authority of interpretive communities. Cambridge, Massachussets & London: Harvard University Press, 1980.

FOUCAULT, Michel. Surveiller et punir: naissance de la prison, Paris: Gallimard, 1975.

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HUMBOLDT, W. Gesammelte Schriften. ed. Prussian Academy of Sciences. Berlim: Behrs Verlag. In: Routledge Encyclopedia of Philosophy, Version 1.0. Londres: Routledge (CD-Rom), [1996?].

LEFEVERE, A. (Ed.) Translation/History/Culture - A Sourcebook. London: Routledge, [s/d.].

PAGANO, Adriana; MAGALHÃES, Célia & ALVES, Fábio. Traduzir com Autonomia - estratégias para o tradutor em formação. São Paulo: Contexto, 2000.

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TOURY, Gideon. Descriptive Translation Studies and Beyond. Amsterdam-Philadelphia: John Benjamins, 1995.

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